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Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Nariz de cera

anotações e apontamentos que dizem tudo - de, por e para mim - por si mesmos.

Maria Adelia Coutinho Freire de Andrade de Barros

01.08.22

A ideia de que as pessoas percebidas como sendo de raças ou etnias diferentes constituem uma ameaça está bem patente em inquéritos europeus e nacionais. De uma forma geral, também os imigrantes são percebidos como uma ameaça [...] A nível das instituições europeias encontra-se também esta ligação entre imigração e preocupação com a segurança nos países europeus.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

lusotropicalismo

22.06.22

No presente, esta mesma memória de cariz lusotropicalista justifica a negação do racismo e da discriminação na sociedade portuguesa. Crê-se que uma sociedade com uma história de tolerância como a descrita pelo lusotropicalismo não poderá, hoje, ser capaz de discriminação racial. Questionar esta representação da história equivale a questionar uma identidade nacional positiva e por essa via a autoestima coletiva.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

tempos [emperrados]

05.05.22

[...] uma pesquisa que correlacionou os níveis agregados de preconceito implícito em 1400 condados dos Estados Unidos com a proporção de escravos em cada condado, de acordo com o censo de 1860. Como previsto, quanto maior a dependência dos condados relativamente ao trabalho escravo em 1860, mais elevados os níveis de preconceito implícito em 2014 (150 anos depois).

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

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in Mídia NINJA - via @jeffportela #racismo | Facebook

saudades das vibes

21.04.22

Imagine que é convidado a responder à seguinte pergunta: «Em que medida considera que as pessoas negras e as pessoas brancas em Portugal são muito diferentes, diferentes, semelhantes ou muito semelhantes no que se refere aos valores que ensinam aos filhos?» Imagine que seguidamente teria de responder à mesma questão, agora relativamente ao grau de preocupação que brancos e negros têm com o bem-estar das famílias, a religião, a educação das crianças, os comportamentos sexuais, etc. Esta questão foi objeto de estudo numa pesquisa, já citada, realizada nos anos 90, no quadro do Eurobarómetro. Os resultados mostraram que, quanto mais os respondentes acentuavam as diferenças culturais entre os cidadãos dos países inquiridos e os imigrantes de países não-europeus, considerando-os culturalmente muito diferentes, mais manifestavam racismo biológico e mais consideravam que os imigrantes - por exemplo, pessoas negras no caso de Portugal - eram incapazes de se adaptar à sociedade de acolhimento [...] à primeira vista acentuar ou exagerar as diferenças culturais não pareceria estar relacionado com racismo tradicional e discriminação. Contudo, os resultados são claros e têm mostrado consistência ao longo de 30 anos de pesquisa. A preocupação de Lévi-Strauss tinha razão de ser: a associação subtil entre diferença e inferioridade é prova disso.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

a ignorância do medo

12.04.22

Basta lembrar o que é dito por uma parte da opinião pública sobre o «rendimento social de inserção» e sobre outros apoios sociais de que beneficiariam injustamente pessoas negras e ciganas. Todas estas ameaças têm sido contestadas por estudos económicos e sociológicos e demonstrada a sua raiz no racismo e preconceito por parte de diversos estudos, vários deles já citados. A mesma linha de pesquisa, em Portugal e noutros países europeus, tem verificado que o racismo e o preconceito estão na base de comportamentos discriminatórios, agressões ou insultos desumanizantes. Contudo, também se verificou que essas discriminações não são percebidas como fruto do racismo ou do preconceito, mas como um resultado do sentimento de ameaça e, consequentemente, como reações de defesa legítimas.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

A Condição Humana, 1935

René Magritte

 

sistemas

15.03.22

Por exemplo, os comportamentos violentos e deliquentes são geralmente associados a minorias. Como explicar esta associação recorrente entre minorias e comportamentos deliquentes? Será mesmo assim ou trata-se de uma percepção enviesada? Uma investigação replicada frequentemente ajuda-nos a responder a esta pergunta.

Aos participantes neste estudo apresentam-se frases em que indivíduos de dois grupos diferentes (A e B) são descritos como tendo realizado comportamentos positivos e negativos. Além disso, é dito que o grupo A tem o dobro dos membros do grupo B, sendo deste modo criada a ideia de que o grupo A é maioritário relativamente a B. São ainda apresentados mais comportamentos positivos do que negativos para ambos os grupos e a proporção de comportamentos positivos e negativos é a mesma para ambos os grupos. É pedido aos participantes que recordem o número de comportamentos positivos e negativos de cada grupo. Resultado: eles tendem a lembrar-se aproximadamente do mesmo número de comportamentos positivos em ambos os grupos, contudo subestimam o número de comportamentos negativos do grupo maioritário e sobrestimam esses comportamentos no grupo minoritário. Ou seja, os participantes estabelecem uma «correlação ilusória», associando os comportamentos negativos (menos frequentes) ao grupo minoritário (menos frequente), isto é, associaram duas realidades pouco frequentes. A sobrestimação de comportamentos negativos nos grupos minoritários será com grande probabilidade o resultado de um mecanismo cognitivo enviesador, uma ilusão produzida pelo sistema cognitivo de quem perceciona.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

[gri gri gri gri]

11.03.22

[...] estudo mostrou mudanças notáveis na expressão do racismo: uma redução no racismo biológico, tradicional, flagrante, ao mesmo tempo que surgia um racismo mais indirecto e subtil, que se exprime mais no benefício do branco do que em sentimentos antinegro [...] 

Embora o racismo tenha, em muitas situações, evoluído de flagrante para subtil [...] a verdade é que persiste e, consequentemente, a probabilidade de a discriminação racial e a violência contra pessoas percebidas como tendo «origens étnicas ou cor diferente» continuar a ocorrer é elevada.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

vergonhas [não tão] alheias II

21.02.22

A perceção de que estariam a registar-se alterações na expressão do racismo, levou ao conceito de racismo cultural na Europa dos anos 80, quando se regista uma nova argumentação a favor da rejeição da imigração proveniente das ex-colónias europeias [...] 

Embora o racismo biológico não seja posto de parte nestes movimentos, os argumentos contra a imigração de não-brancos e a rejeição em geral de pessoas de origem não-europeia focam a «diferença cultural», sendo progressivamente sistematizados e difundidos os princípios ideológicos do que viria a ser classificado como «novo racismo», ou «racismo diferencialista», ou ainda «racismo cultural», por vários cientistas sociais e filósofos. Esses princípios ideológicos podem ser resumidos da seguinte forma: as diferenças culturais entre grupos de humanos são muito profundas e remetem para diferenças de natureza; algumas culturas são superiores a outras; culturas diferentes são intrinsecamente incompatíveis e dificilmente podem coexistir numa mesma sociedade [...]

É só nos anos 90 que surgem as primeiras pesquisas que examinam se e como o senso comum inferioriza culturalmente, e se esta inferiorização se pode conceptualizar como uma nova forma de racismo.

 

Jorge Vala – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

espelhos cegos

18.02.22

[...] o preconceito está mais interiorizado e escapa mais ao controlo consciente do que aquilo que geralmente pensamos.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)

 

 

estado da n[eg]ação

17.02.22

Um bom exemplo de que esta crença na superioridade natural de uns grupos relativamente a outros está viva e é partilhada por um número significativo de europeus encontra expressão no facto de cerca de 30% desta população acreditar que «algumas raças ou grupos étnicos nascem menos inteligentes do que outros» e também que «nascem mais trabalhadores do que outros», segundo dados do Inquérito Social Europeu (European Social Survey 7, 2014-2015) [...] Portugal, a Estónia e a República Checa são os países onde um maior número de pessoas expressou adesão à crença de que há, por natureza, grupos inferiores e grupos superiores quanto às características que definem os humanos. Ou seja, Portugal encontra-se entre os países que manifestaram um índice de racismo mais elevado. Por sua vez, a Suécia, a Holanda e a Noruega são os países onde menos pessoas manifestam de forma aberta adesão a essas mesmas crenças [...] Todavia, estes dados mostram também que o racismo está longe de ser hoje uma ideologia consensual na Europa, como o foi antes da II Guerra Mundial. Hoje, estas crenças não são partilhadas pela maioria dos Europeus e são objeto de debate público e político.

No que respeita a Portugal, os resultados apresentados podem parecer surpreendentes e são difíceis de aceitar pelas elites políticas, por comentadores ou redes intelectuais, mas são dados que já haviam sido anunciados num inquérito publicado em 1999 e num outro de 2011. Neste último estudo, comparou-se Portugal com outros oito países europeus. De novo com base em amostras representativas, perguntávamos, entre outros indicadores, qual o grau de concordância com a seguinte frase: «Algumas raças são mais dotadas do que outras.» Os resultados obtidos evidenciam que na Alemanha, em França, no Reino Unido, na Holanda e em Itália menos de 50% dos inquiridos expressaram concordância com aquele indicador de racismo. Em Portugal, na Polónia e na Hungria essas percentagens crescem para valores iguais ou superiores a 50% [...] Muito importante, os inquiridos [...] também mostram disponibilidade para discriminar ou aceitar a discriminação racial em diversos planos da vida social e política, como a oposição à entrada de imigrantes percebidos como tendo outra raça, na oposição a leis antirracistas ou a opção por critérios etnicistas na seleção de imigrantes.

Mais recentemente, já em 2019/2020, o European Social Survey - Portugal voltou a diagnosticar a crença dos Portugueses na «superioridade natural de umas raças ou grupos étnicos relativamente a outros». Usando as  mesmas proposições do European Social Survey 7, recorreu-se agora não a uma escala de resposta dicotómica (sim/não), que poderia ter produzido enviesamentos nas respostas anteriores, mas a uma escala que ia de «totalmente de acordo» a «totalmente em desacordo», permitindo uma gradação dos graus de acordo e desacordo. Os resultados obtidos, agora apenas em Portugal, confirmam os estudos precedentes: mais de 40% dos inquiridos partilha a crença na superioridade natural de «umas raças relativamente a outras», ou seja, expressam racismo biológico.

 

Jorge Vala  – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)

Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)