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Eu era teimosa, ele era teimoso. Não me lembro do motivo, sei que nos pegámos os dois. Eu era muito mais pequena, devia-me ter calado. Mas começámos à tareia e o meu pai não gostou. Deu uma tareia nele. Eu fugi e meti-me debaixo da cama. O meu pai procurou-me até ao fim, não tas vou perdoar. E depois, a tareia que tinha dado ao António deu-me a mim também - relato de Maria Amélia.
Mas não há memórias que o descrevam a subir às árvores para ir aos ninhos, ou outras tropelias de miúdos. Já João, o mais velho, meteu um belo dia a irmã dentro de uma arca e esqueceu-se dela. Maria de Lurdes ia morrendo asfixiada, enquanto ele, aflito, a procurava sem se recordar onde a fechara dessa vez. Outra vez, guardou a irmã Amélia, uma criança minúscula, e ainda hoje uma mulher muito pequenina, dentro de uma mala de viagens. Depois pôs-se a correr pelo quintal, abanando a mala de um lado para o outro, até que ela se abriu e deixou cair a miúda completamente atordoada no meio do canteiro das alfaces. António, contudo, não deixou na memória dos irmãos episódios semelhantes:
- Desde muito miúdo já dizia que queria ser músico. Cantava as cantigas que ouvia na rádio e outras que inventava ele próprio (...) E a minha mãe assim: Toninho, vai cortar um bocadinho de erva para os coelhos, e ele: haviam de morrer todos! Sentava-se no quintal e começava a cantar. E a minha mãe: A erva para os coelhos, António? E ele, ó está bem, está bem! - Maria Amélia Ribeiro Costa recordá-lo-á, para sempre, ensimesmado e misterioso, muito solitário e sempre à procura de espaço para abrir a voz. - Ele já tinha dom. Nasceu com ele. Ele era diferente. Foi sempre diferente de nós todos. Vinha de férias e não gostava que ninguém o perturbasse. Há um penedo em cima, do outro lado da rua, ele sentava-se ali, muitas vezes, a escrever. Dizia: Vou para ali para cima. Não quero que ninguém chame por mim. Se alguém vier, eu não estou para ninguém.
Manuela Gonzaga – António Variações, Entre Braga e Nova Iorque (2018)
Manuela Gonzaga e Bertrand Editora (2018)
As boas pessoas se recolhem e repousam quando o sol se põe.
Confúcio
Foto de Xavier Santos
De certo modo, a vida é similar ao jazz...
é melhor quando improvisamos.
George Gershwin
A dança é a linguagem escondida da alma.
Martha Graham
(Um momento de filosofia barata.)
Para além do «ser ou não ser» dos problemas ocos,
o que importa é isto:
- Penso nos outros.
Logo existo.
José Gomes Ferreira in Eléctrico
José Gomes Ferreira – Poeta Militante I
Círculo de Leitores (2003)
OLHE, PRECISO DE DINHEIRO
Preciso de muito dinheiro. Quero abrir um negócio.
Algo meu, sabe como é. Estou farto de patrões.
Não posso passar a minha vida atrás de um balcão.
A levar todas as noites com a baba dos perdidos nas trombas.
Já não tenho paciência.
Com esta idade, já viu o que é.
Sujeitar-se a todos os labregos.
Já tentei noutros bancos, sim.
Pedi também aos meus pais, é verdade;
disse-lhes que era para me casar.
Não, não tenho casa, nem automóvel.
Mas, olhe, posso garantir com o meu corpo.
O meu fígado, senhor, tem que ver o meu fígado.
É fígado de motard. Isto parece encolhido e tal,
mas anda a mil.
E adiantado, não pode pagar nada como entrada?
Entrada, não sei.
Só se for o coração.
Golgona Anghel
Golgona Anghel in Como Uma Flor de Plástico Na Montra De Um Talho (2013)
Assírio & Alvim (2017)
Desde 1999 que a UNESCO assinala o 21 de fevereiro como o “Dia Internacional da Língua Materna”, tendo o mesmo sido reconhecido formalmente pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que considerou 2008 como o Ano Internacional da Língua, com o intuito de promover o multilinguismo e a diversidade linguística e cultural
Vim do país da ternura
Orvalhado p'la maré
Trago mirras trago incenso
Trago no peito em suspenso
O futuro que ainda não há
O futuro que ainda não é
Trago sonhos da distância
Doutro sentir e outra gente
Sentada p'ra lá do mar
Gente de paz e saber
Tão igual e tão diferente
Tão urgente de inventar
Nesse sonho me anuncio
Desse sonho me sustento
Mantenho todo o que disse
Mesmo se hoje já sinto
Menos forças menos alento
Como dardos como setas
Privilégio dos poetas
Lanço palavras ao vento
Pedro Barroso - Palavras ao Vento
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