27 é dia de Ibeijada
23.09.1981
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23.09.1981
A reclamação, curiosamente (e premonitoriamente), é datada de 10 de dezembro de 1945 (exatamente um ano antes da Declaração Universal dos Direitos do Homem), e é dirigida ao presidente da Assembleia Nacional, nessa altura o Dr. Albino dos Reis.
Na reclamação, Aristides começa por relembrar a situação vivida em Bordéus em maio/junho de 1940, e a proibição recebida por parte do governo português de conceder vistos aos israelitas (de acordo com a Circular 14). Diz ele que não devia obedecer àquela proibição por a considerar inconstitucional em virtude do artigo 3.º da Constituição, que garante liberdade e inviolabilidade de crenças, não permitindo que ninguém seja perseguido por causa delas, nem obrigado a responder acerca da religião que professa. Acrescenta ainda que se não obedeceu, não fez mais do que resistir, nos termos do n.º 18 do artigo 8.º da Constituição, a uma ordem que infrigia manifestamente as garantias individuais, não legalmente suspensas nessa ocasião (artigo 8.º n.º 19).
Mais adiante, pede à Assembleia para declarar nula a pena que lhe foi imposta por Salazar, exigindo a respetiva responsabilidade àquele ou àqueles funcionários que, dando-lhe a referida ordem, «atentaram contra a Constituição e o regime estabelecido (artigo 115.º, n.º 2). Para terminar, Aristides escreve que «a Assembleia Nacional deve pôr termo ao absurdo de ele ter sido severamente punido por factos pelos quais a administração [Salazar] tem sido elogiada em Portugal e no estrangeiro, manifestamente por engano [...] Em resumo, a atitude do governo Português foi inconstitucional, antineutral e contrária aos sentimentos de humanidade e, portanto, insofismavelmente "contra a Nação".»
Mais uma vez, Aristides fica à espera... Mas quem é que na Assembleia Nacional, formada unicamente por elementos da União Nacional, tinha coragem de reagir? Ninguém, certamente, sobretudo, porque o senhor presidente da Assembleia Nacional não terá dado autorização para que esse reclamação fosse entregue aos senhores deputados.
E o que faz Aristides? Decide escrever uma carta a cada um dos 120 deputados, para ter a certeza de que a vão receber, e vai entregá-la em mão à porta da Assembleia
António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)
Em Portugal, a tomada de consciência de que o racismo é incompatível com a democracia e os valores de liberdade e igualdade é ainda mais recente do que no resto da Europa. Após a II Guerra Mundial, Portugal não podia fazer a condenação oficial do nazismo e do fascismo pois fora um ator supostamente neutro nesse processo e era governado por uma ditadura. Além disso, Portugal era um Estado colonial, sendo as relações com os povos das colónias africanas reguladas nomeadamente pelo «Estatuto dos Indígenas», entre 1926 e 1961. É nesta última data que aquele estatuto é revogado por nova legislação, introduzida quando a guerra colonial já se havia iniciado. Esta nova legislação, que corrige marcadamente a versão de 1926, é mais uma consequência do pavor da luta pela independência das colónias do que de uma genuína promoção de relações de trabalho justas. Esta observação é sustentada pelo facto de, dez anos após a legislação de 1961, a Organização Internacional do Trabalho ainda considerar que Portugal não respeitava nas colónias os princípios defendidos por essa mesma organização.
Com o 25 de Abril, o espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi integrado na Constituição de 1976 e entrou progressivamente nas instituições portuguesas. Porém, só em 1978, 30 anos após a aprovação pela ONU da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Portugal apoia essa declaração, ao mesmo tempo que subscreve a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, criada em 1953.
Jorge Vala – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)
E a vida não vive em linha reta
Sophia de Melo Breyner Andresen
Pode ainda observar-se que a misteriosa doença do príncipe que se cura mal se inicia o regime de comensalidade com a princesa configura a melancolia de quem, enredado numa situação de confinamento familiar, espera a libertação matrimonial. Esta deve provir de uma noiva externa e não daquela que, criada em casa, representa a própria rainha-mãe (que a escolheu). Em suma, o príncipe doente espera a noiva que o liberte do domínio de uma mãe possessiva.
Francisco Vaz da Silva – Gata Borralheira e Contos Similares (2011)
Círculo de Leitores e Temas e Debates (2011)
Natália de Oliveira Correia
(13 de Setembro de 1923 —16 de Março de 1993)
Nessa noite casaram e no dia seguinte havia um banquete. O príncipe deu ordens: «Nada de sal e água ao tal rei.»
Sentaram-se à mesa e a jovem rainha estava perto do seu pai, mas este não comia. A filha disse-lhe:
«Real Majestade, porque não comeis? A comida não vos agrada?»
«Que ideia! Está muito boa.»
«Então porque não comeis?»
«Não me sinto muito bem.»
A noiva e o noivo serviram-lhe algumas garfadas de carne, mas o rei não as quis e ruminava como a cabra (acaso podia comer sem sal?).
Quando acabaram de comer começaram a contar histórias. O rei, doente como estava, contou todo o fado da sua filha.
«E vós, Real Majestade», disse a filha, «se vísseis a vossa filha, reconhecê-la-íeis?»
«Sabe Deus quando a vi pela última vez!»
Ela levantou-se e foi vestir a roupa de quando partiu do seu pai rumo à morte. «Vamos, Real Majestade, estais a ver a vossa filha? Que sou eu a vossa filha? Mandaste-me matar porque vos tinha dito que vos amava quanto o sal e a água; agora vistes o que é comer sem sal nem água.»
O pai dela não conseguiu dizer uma palavra, mas abraçou-a e pediu-lhe perdão.
Assim ficaram felizes e contentes e nós cá estamos sem cheta.
Francisco Vaz da Silva – Gata Borralheira e Contos Similares (2011)
Círculo de Leitores e Temas e Debates (2011)
Salinas Aveiro
A consciência igualitária dos Europeus só foi despertada após o genocídio de judeus, ciganos, negros e outras minorias consideradas desviantes, em nome da crença nazi na supremacia ariana e na necessidade de a preservar. Esta crença é o protótipo do racismo na história contemporânea. Consideramos racista, a ideologia de acordo com a qual a diversidade humana pode ser agrupada em raças inerentemente desiguais, em que umas têm superioridade e poder sobre outras. Consideramos antirracistas todas as ideias, comportamentos, ou políticas que visam demolir essa ideologia e as suas consequências sociais.
Jorge Vala – Racismo, Hoje, Portugal em Contexto Europeu (2021)
Fundação Francisco Manuel dos Santos, Jorge Vala (2021)
O processo disciplinar por desobediência movido por Salazar contra o meu avô foi um verdadeiro caso de "antes de o ser já o era". A sentença foi dada e executada antes do julgamento, e a defesa de Aristides inútil. No entanto, o meu avô não desistiu e recorreu até às últimas instâncias ajudado por um jovem advogado, Adelino da Palma Carlos. Mas só depois do 25 de abril, anos após a sua morte, o envelope lacrado com o seu processo - do qual nem a família conhecia a existência - seria aberto e a injustiça de todo o caso revelada.
António Moncada S. Mendes – Aristides de Sousa Mendes, Memórias de Um Neto
Edições Saída de Emergência e António Moncada S. Mendes (2017)
in https://vaocubo.com/2021/04/24/wineproduction2020/
... a propósito do subtema Gata Borralheira: neste ciclo, que devemos tomar como um todo, a heroína e o príncipe desencantam-se mutuamente; nisto consistindo, afinal, o proverbial casamento pelo qual serão felizes para sempre.
Francisco Vaz da Silva – Gata Borralheira e Contos Similares (2011)
Círculo de Leitores e Temas e Debates (2011)
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